Comportamento Supersticioso
Por: Leandro Melo de Sousa, outubro de 2002


Essa questão de quando surgiu a religião é muito interessante. Nos idos tempos da faculdade, em uma aula de zoologia, o professor desafiava os alunos para citarem uma peculiaridade do comportamento humano que não pudesse ser explicado pela zoologia, etologia, sociobiologia, etc. Na realidade ele estava querendo quebrar a visão que a maioria das pessoas tem de que somos uma coisa meio que separada dos outros animais (especiais, imagem e semelhança de um cara fodão que fez todas as coisas para nós, etc).

Na época eu ainda era religioso, e na minha cabeça essa era a única coisa que só a gente tinha, e de certa forma "provava" a especialidade do ser humano. Não me lembro se o professor deu alguma explicação para a religião, mas o fato é que poucos meses depois eu decidi ficar órfão do cara lá de cima e procurar melhor as explicações para as coisas ao redor.

A nossa cabeça funciona de uma maneira muito legal, damos nomes e tentamos fazer associações a tudo o que nos cerca. Claro, de outra maneira ainda seríamos algum organismo parecido com uma esponja encrustado em algum recife por aí a fora.

Agora imaginem só: você está a algumas dezenas de milhares de anos atrás dando um duro danado pra conseguir achar uma cotia ou um tatu pra ajudar no rango da noite. Mas a situação está feia, dizem que a glaciação está pegando feio lá no norte e aqui ficou um lugar seco, os bichos fugiram (ou morreram, vai saber). Nada de rango. Chega a noite e dá um relâmpago perto do seu clã..."putz, o que será isso??? Caramba, deve ser algum deus irado com a gente! Vamos fazer cerimônias de culto e oferenda a esses deuses, talvez não mandem mais esses raios barulhentos pra nos castigar." No dia seguinte não trovejou. Qual explicação mais simples que os fatos levam nesse caso? "Vocês viram! Deu certo! A gente rezou e o 'deus do raio' nos perdoou e não mandou mais raios! Vamos fazer uma cerimônia para pedir mais caça!" Beleza, lá vão todos os membros do clã fazer um culto de noite para que no dia seguinte alguma cotia, queixada, tamanduá, ou qualquer bicho apareça na mira dos caçadores. Amanhece o dia e saem todos muito motivados para caçar. Provavelmente essa motivação e recrutamento extra vai surtir um resultado positivo, e o que acontece? Reforça mais ainda a associação causa (rezar) e conseqüência (conseguir o que pediu).

Acho que nessa lista mesmo (Genismo), certa vez foi enviado uma nota de um artigo bem interessante. Fizeram uma coisa parecida com uma caixa de Skinner, só que com pombos, individualizados. A maioria deles aprendem com facilidade o número de batidas na alavanca para receber comida. Só que o pesquisador foi além. Ao invés de regular a máquina para dar comida depois de um certo número de batidas, ele programou para dar os grãos aos pombos em intervalos sem uma regularidade de tempo, ou seja, no tempo igual a 2 minutos solta-se um grão, depois solta-se outro aos 2 min e 37 segundos, depois aos cinco e depois sei lá, é aleatório. Se não me falha a memória, uns 80 porcento dos pombos sobre essas condições desenvolveram um comportamento que o pesquisador denominou "superstição" (também não lembro se esse foi o termo exato, mas foi algo assim). Um dos pombos, por um acaso, estava levantando a asa direita momentos antes de receber a comida. Ele associou que o ato de levantar a asa direita tinha sido a causa do recebimento da comida. Fato mais curioso é que, mesmo não ganhando comida na maioria absoluta das vezes em que levantava a asa, o pombo exaustivamente continuava a fazê-lo. Ainda foi observado comportamentos mais estranhos de alguns pombos, como ficar sacudindo a cabeça freneticamente para a direita num dos cantos da caixa (como se fosse um tick nervoso).

Finalizando minha mensagem, creio que qualquer sistema nervoso capaz de fazer associações um pouco mais complexas, indubitavelmente vai chegar a conclusão de que existe alguma coisa superior comandando as coisas que acontecem no ambiente ao redor. Felizmente, quando a capacidade de associação avança mais um pouco, concluímos que tal divindade não precisa existir para explicar os fenômenos...e você realmente consegue entender como eles são belos.

 

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