Opção política pode estar na genética
Benedict Carey escreve para “The New York Times"


Opção política pode estar na genética, diz estudo

Pesquisadores investigam se já nascemos com as nossas ideologias

Benedict Carey escreve para “The New York Times":

Há muito tempo os cientistas políticos sustentam que a criação e a experiência determinam as posições políticas do indivíduo. Assim, uma criança criada em meio a passeatas pela paz e em um ambiente de ódio a Bush geralmente se torna um adulto de esquerda, a menos que seja desviada desse curso por alguma experiência poderosa de vida.

Já uma outra que cresceu em meio a protestos contra os juros altos e a manifestações de reprovação aos Kennedy acabaria virando um direitista.

Mas com base em um novo estudo, uma equipe de cientistas políticos está argumentando que a reação visceral das pessoas a questões como a pena de morte, impostos e aborto é fortemente influenciada pela herança genética.

A nova pesquisa se baseia em uma nova série de estudos que indica que a abordagem geral das questões sociais por parte do indivíduo --mais conservadora ou progressista-- é influenciada pelos genes.

O estudo sugere que influências ambientais, como a criação do indivíduo, desempenham um papel mais central na filiação partidária como democrata [progressista] ou republicano [conservador], da mesma forma como o fazem para determinar o time para o qual se torce.

O relatório, que está na edição atual no periódico "American Political Science Review", a principal publicação nesse campo, usa a genética para ajudar a responder várias das questões em aberto da ciência política.

Entre elas: por que certas pessoas debandam do partido no seio do qual cresceram? E por que algumas campanhas políticas, como a eleição presidencial de 2004, se transformam em um esporte verbal sangrento, embora as pesquisas revelem pouca disparidade na maior parte dos pontos de vista dos norte-americanos sobre questões específicas como controle de armamentos e ação afirmativa?

O estudo é o primeiro sobre genética a aparecer no periódico. "Acreditei ter me deparado com algo novo e diferente, feito por respeitados acadêmicos, que muitos cientistas políticos nunca viram em suas vidas", diz Lee Sigelman, editor do periódico e professor de ciência política da Universidade George Washington.

Sigelman diz que em vários campos essas revelações "não gerariam nada além de um grande bocejo", mas que, "na nossa área, talvez façam com que as pessoas invadam barricadas".

Os geneticistas que estudam comportamento e personalidade sabem há 30 anos que os genes desempenham um importante papel nas respostas emocionais instintivas das pessoas a certas questões --o seu temperamento social.

Isso não quer dizer que as opiniões sobre questões específicas estejam impressas no DNA de uma pessoa. Em vez disso, os genes estimulam as pessoas a responder cautelosamente ou abertamente aos costumes de um grupo social.

Lindon J. Eaves, professor de genética e psiquiatria humanas da Universidade da Comunidade de Virgínia, diz que a pesquisa pouco acrescentou ao que já se sabia. Eaves não participou do estudo mas permitiu que os pesquisadores analisassem dados de um estudo com gêmeos que ele está realizando.

Mesmo assim, ele diz que as revelações são plausíveis, "e que o significado real aqui é que o relatório faz a genética voltar a ser o foco das atenções para um campo inteiramente novo que possibilita uma nova forma de se pensar sobre questões políticas, culturais e sociais".

No estudo, três cientistas políticos --John Hibbing, da Universidade de Nebraska em Lincoln, John R. Alford, da Universidade Rice, e Carolyn L. Funk, da Universidade da Comunidade de Virgínia-- analisaram dados colhidos de dois grandes estudos contínuos, incluindo mais de 8.000 pares de gêmeos.

Dentre uma extensa bateria de pesquisas sobre traços de personalidade, crenças religiosas e outros fatores psicológicos, os pesquisadores selecionaram 28 questões mais relevantes para o comportamento político.

Essas questões pediram às pessoas para "indicarem se concordam ou não com cada um dos tópicos", ou se estavam incertas quanto a certas questões tais como impostos sobre bens, capitalismo, sindicatos e filmes para maiores de idade.

A maior parte dos gêmeos apresentou uma mistura de pontos de vista conservadores e progressistas. Mas, de forma geral, eles se inclinaram um pouco para um lado ou para outro.

A seguir os pesquisadores compararam os gêmeos heterozigotos, ou fraternos, que, como quaisquer irmãos biológicos, compartilham 50% dos seus genes, com os homozigotos, ou gêmeos idênticos, que compartilham 100% dos genes.

O cálculo da freqüência com que os gêmeos idênticos concordam quanto a determinada questão, do qual se subtraiu o índice de concordância dos gêmeos heterozigotos com relação à mesma questão, possibilitou que se chegasse a uma estimativa aproximada da influência dos genes nessa atitude. Assumiu-se que os gêmeos viviam no mesmo ambiente familiar.

Por exemplo, quanto à questão da obrigatoriedade das orações religiosas nas escolas, as opiniões dos gêmeos idênticos apresentaram uma correlação de 0,66, um indicador da freqüência com que concordavam entre si. Já a correlação para os gêmeos fraternos foi de 0,46. Isso se traduz em uma contribuição de 41% por parte da herança genética.

Conforme se descobriu em estudos anteriores, as posturas quanto a questões como a oração nas escolas, impostos sobre bens e alistamento militar estão entre as mais influenciadas pela herança genética. Outras questões como arte moderna e divórcio estão menos propensas a sofrer tal influência. E na pontuação média dos gêmeos, derivada de 28 questões, os genes foram responsáveis por 53% das diferenças.

Mas após se fazer a correção para a tendência de homens e mulheres com posturas políticas semelhantes se casarem, os pesquisadores também descobriram que a autodefinição dos gêmeos como republicanos ou democratas dependia bem mais de fatores ambientais como a criação e a experiência de vida do que da orientação social, que os pesquisadores chamam de ideologia. A herança genética respondeu por 14% da diferença partidária.

"Estamos medindo aqui duas coisas distintas, ideologia e filiação partidária", afirmou Hibbing, um dos pesquisadores. Ele acrescentou que a sua equipe de pesquisa achou que a grande diferença em hereditariedade entre os dois fatores era "difícil de se acreditar", mas que ela resistiu aos testes.

O autor afirma que as implicações dessa diferença podem ser extensas. Durante anos os cientistas políticos tentaram em vão aprender como a dinâmicas familiares como o contato entre pais e filhos ou a importância da política no lar influenciavam a ideologia política. Mas o estudo sugere que uma orientação social geneticamente herdada pode ser suplantada pelos efeitos mais sutis da dinâmica familiar.

Uma má combinação de orientação social geneticamente herdada e partido político pode explicar por que algumas pessoas deixam determinada organização partidária. Muita gente que é geneticamente conservadora pode ter sido criada como democrata, e alguns que são geneticamente mais progressistas às vezes vêm de ambientes republicanos.

Ao mapear as tendências pessoais no decorrer dos anos, os geneticistas descobriram que as atitudes sociais tendem a se estabilizar no final da adolescência e logo após os 20 anos, quando os jovens começam a cuidar da própria vida.

Algumas pessoas "mal emparelhadas" continuam leais às suas famílias e partidos políticos. Mas as circunstâncias podem suplantar as tendências hereditárias. O alistamento militar pode soar como uma boa idéia até que você seja o escolhido para servir o exército. A pena de morte pode parecer uma punição bárbara até que um ente querido seja assassinado.

Outras pessoas cujas orientações sociais estão fora de sintonia com os seus partidos podem sentir tamanho desconforto que se transformam em oponentes de seus ex-partidos.

"Zell Miller seria um bom exemplo desse fenômeno", afirma Alford, referindo-se ao ex-governador democrata e senador da Georgia, que fez um discurso inflamado na Convenção Nacional Republicana no ano passado contra o candidato democrata, John Kerry.

Alford diz que o apoio aos democratas entre indivíduos brancos do sexo masculino tem sofrido redução há anos no sul, e Miller é notável por continuar sendo oficialmente um democrata, apesar da sua divergência das diretrizes do partido quanto a várias questões.

Ao ser ouvido por telefone, Miller disse que não vê as coisas dessa forma. Segundo ele, os seus pontos de vista não mudaram muito desde que foi fuzileiro naval. Ele afirma que quem mudou foi o Partido Democrata.

"E não estou dizendo que tal mudança se deu centímetro a centímetro, como no caso de uma geleira", afirma Miller, que apresenta esse argumento no seu novo livro, "A Deficit of Decency" ("Um Déficit de Decência"). "Estou dizendo que a coisa toda sofreu uma mudança muito rápida".

A idéia de que certas questões sociais produzem reações imediatas não ponderadas também surgiu no curso de outras pesquisas políticas. Em vários estudos recentes, Milton Lodge, da Universidade do Estado de Nova York, em Stony Brook, revelou que certos nomes e conceitos políticos --"impostos" ou "Clinton", por exemplo-- produzem reações positivas ou negativas quase instantâneas.

Esses reflexos políticos intensos são determinados parcialmente pela genética, afirma Lodge. O estudo sugere que pode ser o embate entre orientações sociais viscerais, geneticamente determinadas, que conferem ao debate político a sua atual malícia.

Embora os dois tipos genéticos mais amplos, conservadores e progressivos, possam encontrar certa base em questões específicas, eles representam diferenças fundamentais que são mais profundas do que muita gente é capaz de assumir.

"Quando as pessoas falam sobre o debate político se tornar a cada dia mais acirrado, elas muitas vezes põem a culpa em programas de rádio ou nas pessoas que participam do debate, quando deveriam inverter o processo de análise", explica Alfor.

"Essas ideologias geneticamente predispostas são polarizadas, e é isso que torna o debate tão acalorado. Dá para ver isso nos olhos das pessoas quando elas falam sobre política. Dá para ouvir em suas vozes. Após a terceira resposta, todos começamos a soar como programas de rádio quando se trata de determinadas questões".

Os pesquisadores não são otimistas quanto ao futuro da cooperação bipartidária ou da unidade nacional. Devido ao fato de os homens e as mulheres apresentarem a tendência de procurar parceiros com ideologias similares, os dois blocos genéticos estão se tornando cada vez mais concentrados.

(Tradução: Danilo Fonseca)

(The New York Times, Uol.com/Mídia Global, 21/6)

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