O sexo e a origem da morte
artigo de Fernando Reinach


A morte destrói nosso corpo, mas não mata nossas células germinativas, que continuam sua vida em nossos filhos

Fernando Reinach (fernando@reinach.com) é biólogo. Artigo publicado em “O Estado de SP”:

A morte surgiu muito depois da vida. Associamos morte à presença de um corpo sem vida, seja ele uma árvore seca ou o cadáver de uma pessoa. Quando a morte não ocorre prematuramente, causada, por exemplo, por um acidente, ela é o resultado do processo de envelhecimento do corpo.

Ela destrói nosso corpo, mas não mata nossas células germinativas, que continuam sua vida em nossos filhos. Ela apareceu somente quando a reprodução sexuada surgiu no planeta, 2 bilhões de anos atrás, quase 3 bilhões de anos depois do aparecimento da vida.

Durante os primeiros 3 bilhões de anos, desde o surgimento da vida, todos os seres vivos possuíam uma única célula.

Os seres vivos que mais se parecem com os que existiam na época são as bactérias, pequenas esferas que medem aproximadamente um milésimo de milímetro.

Apesar de bastante complexos, esses seres vivos têm um ciclo de vida muito simples. Eles captam alimentos do meio ambiente e os utilizam para produzir os componentes da única célula que compõe seu corpo. Quando a célula atinge certo tamanho, seus genes são duplicados e a célula se divide em duas idênticas à original.

O resultado desse processo de divisão é que a célula deixa de existir sem deixar um "cadáver" para trás. As duas novas células incorporam todo o material que estava na célula-mãe. A "mãe" deixa de existir sem morrer e produz dois "filhos" a partir de seu próprio corpo.

Esse processo pode continuar de maneira indefinida, o número de bactérias crescendo sem que se observe a morte. Nesse mundo não existe sexo, as células não precisam de parceiros para se reproduzir. A morte, quando existe, é provocada por acidentes, quando uma célula seca ao sol ou o alimento acaba. A morte devida ao envelhecimento não existe.

Nos últimos 2 bilhões de anos surgiram os seres vivos multicelulares, compostos por mais de uma célula. Nós, com nossas 1014 células (o número 1 seguido de 14 zeros), somos um dos exemplos mais sofisticados desse tipo de organismo, que inclui as plantas, as aves e quase tudo que é vivo e que podemos enxergar com nossos olhos.

Nesses seres vivos, cada grupo de células tem uma função, uma parte digere alimentos (intestino), outra movimenta o corpo (músculos), outra faz circular o sangue (coração).

Entre todos os grupos de células, um é especial, pois está destinado à reprodução. São as células germinativas, cuja função é fundir-se com as células de outro organismo e produzir um novo ser vivo. São nossos óvulos e espermatozóides.

O ciclo de vida dos organismos multicelulares inclui duas novidades: o sexo e a morte programada. O sexo, porque foi neles que surgiu o mecanismo de fusão de células e genomas como meio de reprodução. A morte programada, porque nesses organismos, pela primeira vez, surgem células cujo material não será incorporado ao novo ser vivo.

As células não germinativas, cuja função é garantir a sobrevivência das células reprodutivas, perdem o sentido após o nascimento dos filhos, envelhecem e têm sua morte programada. Nesse momento, é incorporado ao ciclo de vida dos seres multicelulares o cadáver, um corpo sem vida, que é o que associamos à palavra morte.

Mais informações no livro de W.R. Clark Sex & the Origins of Death (Oxford University Press, 1996).
(O Estado de SP, 15/2)

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